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Stultifera Navis era um barco da Idade Média (a famosa Nau dos Loucos) que passava pelo Rio Reno recolhendo os loucos, os bêbados, os vagabundos, os anti-sociais e os patetas da família. (Em tempos de sobriedade punitiva, como diria Foucault, é melhor ficar louco).
É também um livro escrito por Sebastian Brant em 1494. Trata-se de um extenso poema que faz o inventário de 110 vícios morais e pretensões mundanas da época, tais como barulho dentro da igreja, casório por dinheiro, arrogância, etc. As descrições de Brant reunem-se no tema de um grande cortejo de loucos: todos são embarcados numa nau que navegará até a mítica "Narragônia", ilha em que seriam reunidos todos os vícios.
Contemporaneamente, a Nau dos Loucos adquiriu relativa visibilidade a partir de um autor célebre que expõe tal questão: Michel Foucault. Segundo Foucault, no capítulo I de História da Loucura, a Nau dos Loucos é uma mesma imagem que serve a duas experiências diversas da loucura: uma, expressa por exemplo em Bosch, Brueghel, Schonghauer e Durer, Foucault chama de "experiência trágica". A experiência trágica da loucura diz respeito à abertura do sábio às figuras da alteridade, que aparecem sob a forma de uma "invasão" de figuras do "outro mundo", "nesse" e de modo "chão". Há um conteúdo misterioso, uma sobredeterminação, um excedente de sentidos, na linguagem do louco. Tal tema da "invasão" da loucura mostra que ela possui saber - um saber do próprio mundo -, expresso em um conhecimento esotérico que diz respeito à verdade do próprio homem.
Já em Brant e Erasmo, a função da loucura é diversa, segundo Foucault. Não é mais "trágica", mas "crítica": a loucura não é sabedoria, mas irrisão; não demonstra nenhum ensinamento, mas é precisamente o oposto do ensinamento. A Nau de Brant trata de uma sátira moral, não a favor da loucura, mas contra ela: os poemas mostram pretensões inúteis, falsas, vãs, errôneas, vagas, e o ensinamento figura não sob algum segredo que possa ser contado pela loucura, mas na ironia daquele que não se deixa enganar. Esse é o conteúdo "pedagógico" das gravuras, que pode ser visto já na primeira, sobre o sábio. Conforme Foucault, esse elemento "crítico" da loucura prevalecerá sobre o "trágico", na história, em certo sentido abrindo o espaço em que serão tornadas possíveis as experiências modernas da loucura.